A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) estima que a produção global de alimentos precisa aumentar entre 50 e 70% até 2050. Isto é, para alimentar a população crescente, cuja previsão é que atinja 9,8 bilhões de pessoas. De antemão, este aumento na produção de alimentos é necessário para garantir a segurança alimentar e nutricional da população mundial.
O Hub do Café conversou com o ex-ministro da Agricultura (2003-2006), Roberto Rodrigues, para explorar qual é o papel do Brasil na segurança alimentar do mundo. De acordo com ele, a produção agropecuária precisa crescer 40% na próxima década para atender à crescente demanda global por alimentos.
Produção global de alimentos
A avaliação do ex-ministro é baseada no estudo da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) sobre a segurança alimentar mundial. “Em 10 anos, a oferta mundial de comida precisa crescer 20% para que não falte alimento para ninguém”, relata Rodrigues. “Mas, a responsabilidade do Brasil é dobrada. Nosso país precisa crescer 40% para garantir essa segurança”, aponta.
Primordialmente, fatores como avanço tecnológico, empreendedorismo do setor agrícola e políticas públicas colocam o Brasil como líder na segurança alimentar. No entanto, na visão do professor emérito da Fundação Getúlio Vargas, o país está ‘moroso’ com a demanda da FAO. “Acho que estamos devagar diante da demanda que existe. Temos o que fazer para atender a demanda global, porém, não estamos fazendo do tamanho necessário”, disse ao Hub do Café.

Sobre o entrevistado
Roberto Rodrigues é um dos maiores nomes do agronegócio brasileiro. Engenheiro agrônomo, o ex-ministro também foi secretário de Agricultura de São Paulo (1993-1994). Além disso, foi presidente de diversas entidades do setor, como a Sociedade Rural Brasileira (SRB) e a Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB).
Confira a entrevista completa:
Hub: A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) estima que a produção mundial de alimentos precisa aumentar entre 50 e 70% até 2050 para alimentar a população crescente. Em sua visão, qual a responsabilidade do país e do agronegócio brasileiro para suprir essa demanda?
Roberto Rodrigues: O Brasil tem demonstrado nos últimos 30 anos uma capacidade técnica e empresarial extraordinária. Primeiramente, a produção de grãos nos últimos 35 anos aumentou 450%, enquanto a área plantada cresceu 105%. Além disso, investimos em tecnologia, produtividade, sustentabilidade, eficiência, mostrando a nossa capacidade de avançar. Contudo, a tecnologia está entre os fatores que nos trouxeram para esse avanço. Em seguida, vem o empreendedorismo do produtor rural. Em terceiro lugar, políticas públicas, e por fim, terras disponíveis.
Isso persiste a tal ponto que a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) publicou um trabalho alertando para a necessidade de um aumento de 20% na produção global de alimentos. Isto é, um crescimento nos próximos 10 anos para garantir que ninguém no mundo passe fome. De antemão, parece fácil ter um crescimento de 2% ao ano, mas não é. Os Estados Unidos, por exemplo, crescem 9%, o Canadá 10%, a União Europeia 12%. Ou seja, ninguém atinge os 20%. Desse modo, para que o mundo cresça 20% em 10 anos, a responsabilidade do Brasil é dobrada. Nosso país precisa crescer 40% para garantir essa segurança. Há uma visão de fora para dentro do nosso papel nesse processo, por outro lado, acho que o Brasil não tem essa mesma visão. Aliás, não enxerga esse potencial que o país tem em ser o ‘grande portão mundial de alimento’.
Estratégia
Hub: Então, o que precisa para isso? Qual estratégia o Brasil deve adotar para o momento?
R.R: No G-20 (cúpula dos líderes) do ano passado, o Brasil conseguiu aprovar um programa de apoio ao combate da miséria e da fome no mundo inteiro. Primordialmente, isso pode ser um programa interessante, porque o Brasil pode ter um protagonismo muito grande globalmente. Desse modo, transferindo o que aprendemos com tecnologia, com legislação, com agroindústria, para países tropicais do mundo, América Latina, África, Ásia. E, ser o grande líder desse processo. Mas, nós não temos estratégia para isso. Qual é, por exemplo, a política de renda na agricultura brasileira? Não tem. O Brasil é o único país agrícola no mundo que não tem política de renda.
Eu criei o seguro rural em 2003, quando fui ministro da Agricultura. Até hoje, o seguro rural, o governo faz a parte dele e não tem nem 10% de renda agrícola assegurada no Brasil. Desde já, o seguro rural tem uma vantagem de aumentar o crédito. E, consequentemente, cresce a tecnologia, pois nenhuma seguradora vai dar seguro para o produtor que não tenha tecnologia. Dessa forma, puxa o setor para cima, traz o banco privado para o crédito e cresce o preço de renda com apoio e acordos comerciais. Ainda assim, com apoio à tecnologia e com a participação mais intensa da organização privada via cooperativas e as soluções de classe. Então, tem também estratégia para isso, cujo chapéu protetor é sustentabilidade.
Demanda da FAO
Hub: Diante desse contexto, estamos atrasados com essa demanda da FAO?
R.R: Acho que estamos devagar demais diante da demanda que existe. Para aumentar a produção de maneira a atender à necessidade em termos globais, é preciso ter políticas públicas, segurança jurídica, investimento logístico em infraestrutura. Aliás, temos o que fazer para cumprir essa demanda global, porém, não estamos fazendo do tamanho necessário. Contudo, uma parte disso se deve a um diálogo insuficiente entre o agro e o governo brasileiro.
O diálogo com o ministro de Agricultura, Carlos Fávaro, é franco, aberto e tranquilo, pois, ele é produtor rural, conhece e sabe o que a gente faz. Bem como a relação com a equipe do Ministério da Agricultura é ótima, conversamos facilmente, mas com o governo não. No entanto, muita coisa que a agricultura precisa está fora do seu próprio ministério. Como, por exemplo, logística e estrutura, estradas, ferrovias, acordos. Não somos nós que fazemos (Ministério da Agricultura). Assim como, acordo comercial, meio ambiente, legislações adequadas, renda, estão fora do Ministério da Agricultura. Portanto, temos que ter uma ação do governo como um todo para formar essas estratégias.
Desenvolvimento
Hub: Podemos afirmar que o agro brasileiro possui potencial, mas o que falta é um pouco mais desse olhar do governo para o desenvolvimento estratégico?
R.R: Não só do governo, mas falta um olhar da sociedade brasileira. Primordialmente, a compreensão de que o setor rural é a alavanca do desenvolvimento e ninguém vive sem o agro. Afinal, a relação entre o urbano e o rural é o alimento. Eu sempre digo que nós, agricultores, dependemos da cidade. Por exemplo, quem produz ciência é o cientista e ele aprendeu na universidade urbana. Então, sem a cidade, a universidade não teria o cientista. Quem produz defensivos, fertilizantes, máquinas agrícolas, indústrias urbanas, banco, é tudo urbano. Em outras palavras, o produtor sem a cidade não faz nada e a cidade sem o agricultor morre de fome. Logo, essa relação tem que ser muito bem tratada de maneira adequada.
Hub: Sobre o papel das cooperativas, o senhor acredita que elas são importantes para suprir esses desafios e demandas em termos dos alimentos?
R.R: Cada vez mais. Com a economia globalizada, a margem por unidade de produtos ficou cada vez menor. Contudo, no momento em que a renda se faz na escala de produção, o pequeno produtor não tem escala individual. No entanto, ele pode alcançar a escala necessária na cooperativa. Então, é um instrumento, não apenas de difusão e entrega de tecnologia, de agregação de valor, de comercialização na compra e na venda dos insumos. Bem como cria a inclusão social para quem sozinho está liquidado. Nesse sentido, o brasileiro tem um papel cada vez maior no mundo inteiro.
Foto: Hernani Filmes Mkt