Brasil foi taxado com uma tarifa inicial de 10% sobre todas as suas exportações aos EUA O anúncio do “Dia da Libertação” por Donald Trump em 2 de abril de 2025, com a imposição de tarifas recíprocas sobre importações nos Estados Unidos, reverberou como um terremoto no comércio global. Para o agronegócio brasileiro, pilar que sustentou 48% das exportações nacionais em 2024 (US$ 160 bilhões), o impacto é um misto de promessas e incertezas.
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Com base nas informações mais recentes, analisamos como o agro pode navegar nesse novo tabuleiro, destacando oportunidades de competitividade, agregação de valor e os riscos que demandam vigilância.
O que mudou com o “tarifaço”
Trump declarou as tarifas recíprocas como uma medida para “restaurar a justiça comercial” e reduzir o déficit americano de US$ 1,2 trilhão em 2024. O Brasil foi taxado com uma tarifa inicial de 10% sobre todas as suas exportações aos EUA, uma das menores do pacote – que atingiu 49% para o Camboja e 34% para a China, elevando o total sobre produtos chineses a 54% a partir de 9 de abril.
O Departamento de Comércio dos EUA confirmou que o piso de 10% entra em vigor 5 de abril, com ajustes específicos por país a partir de 9 de abril. O Brasil exporta US$ 12,5 bilhões em produtos agropecuários aos EUA, e agora enfrenta um cenário de reconfiguração.
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O Congresso brasileiro aprovou a “Lei da Reciprocidade”, permitindo retaliações comerciais, enquanto o governo Lula/Alckmin anunciou que buscará diálogo com os EUA, e, se necessário, acionará a OMC. O Ministério da Agricultura já informou que a China planeja aumentar compras de carne e milho brasileiros e hoje Pequim anunciou uma retaliação: tarifas de 34% sobre todos os produtos americanos (totalizando 54%), controles de exportação de terras raras e inclusão de 11 empresas americanas em sua “lista de entidades não confiáveis”, escalando a guerra comercial.
Um ponto levantado por analistas é que as tarifas parecem refletir simplesmente o déficit comercial bilateral dos EUA com cada país, expresso como percentual das importações, e não uma conta detalhada de barreiras tarifárias ou não-tarifárias impostas por esses países.
O Brasil, com um déficit moderado na balança com os americanos, ficou com 10%, enquanto nações com superávits maiores, como a China, receberam taxas mais altas. Isso sugere que a política de Trump é menos sobre reciprocidade técnica e mais sobre penalizar superávits comerciais, mas aberta a negociações.
Oportunidades para o agro brasileiro
O agro brasileiro pode transformar esse desafio em vantagem estratégica. Veja como:
1. Competitividade nos EUA
A incerteza persiste sobre os 10% anunciados: serão adicionais às tarifas atuais ou substituirão as existentes, mantendo ou não as cotas de isenção? Dependendo da resposta, produtos como açúcar, carne bovina, café e suco de laranja podem perder competitividade frente ao mercado interno americano ou ganhar vantagem sobre concorrentes mais taxados.
O açúcar, por exemplo, hoje paga US$ 360 por tonelada fora da cota de 140 mil toneladas (quase 90% do valor de mercado); se os 10% forem homogêneos e não cumulativos, essa barreira cairia para US$ 40 por tonelada (10% de US$ 400), um ganho significativo.
A carne bovina, com cota de 20 mil toneladas isenta e 26,4% além disso, também se beneficiaria caso os 10% substituam a taxa atual. Por outro lado, a CNA alertou em 3 de abril que 19 produtos do agro enfrentam impacto “crítico” ou “alto” devido à dependência do mercado americano e à dificuldade de redirecionamento.
O suco de laranja, por exemplo, pode ver suas tarifas saltarem de 5,9% para 15,9% se os 10% se somarem, reduzindo exportações de 1 bilhão para 261 milhões de litros. Carne bovina industrializada, sebo bovino e madeira perfilada também estão na lista de risco, reforçando a recomendação da entidade por negociações em vez de retaliações imediatas.
2. Novos Mercados e Redirecionamento
A alta taxação do mercado americano para gigantes como China e México, agravada pela retaliação chinesa, abre brechas. Sem EUA como parceiro, China buscará novas fontes de grãos e carnes, enquanto a UE pode absorver café e celulose adicionais. Nossa decisão estratégica será de concentrar (na China, como no primeiro governo Trump) ou diversificar os destinos do nosso Agro?
3. Foco na Agroindústria e Agregação de Valor
Este é o momento de o Brasil turbinar sua agroindústria. Exportar óleos, farelos, rações ou café torrado, em vez de grãos crus, agrega empregos, valor e lucros. Dados do IBGE mostram que a agroindústria cresceu 3,2% em 2024, mas ainda representa apenas 20% do PIB do setor. Reduzir tributos como ICMS e PIS/Cofins sobre insumos e máquinas poderia baratear custos, enquanto incentivos fiscais impulsionariam a verticalização e a competitividade global.
A carne bovina exemplifica essa oportunidade: em 2024, os EUA, quarto maior exportador mundial com 1,34 milhão de toneladas de equivalentes carcaças, importaram 1,99 milhão de toneladas, gerando um déficit de 650 mil toneladas.
O Brasil supriu 17,3% dessa demanda, entregando carne a um preço mais baixo, enquanto os eles acessavam mercados premium. As retaliações dos países asiáticos abrem espaço para que o Brasil acesse uma parcela de um mercado que hoje também é disputado por EUA, Austrália e Argentina.
4. Equalização Tributária como Trunfo
A Lei da Reciprocidade dá ao Brasil poder de barganha. Baixar impostos internos sobre exportações agroindustriais e negociar acordos bilaterais com os EUA podem fixar os 10% como teto, evitando escaladas. Isso equalizaria o jogo, permitindo a conquista de mercados pela eficiência, não apenas pelo preço.
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Riscos à vista: importações baratas e desindustrialização
O outro lado da moeda exige cautela. O bloqueio do mercado americano para países como China, EU, Japão e México, intensificado pela retaliação chinesa de hoje, pode inundar o Brasil com produtos baratos. A China, enfrentando 54% de tarifas americanas, pode despejar excedentes de alimentos processados e manufaturados na América Latina, ameaçando a já frágil (agro)indústria nacional.
Desindustrialização em Risco: Sem ajustes políticos ou incentivos, a entrada de importados baratos pode sufocar setores como biocombustíveis e alimentos processados. Em 2024, as importações de fertilizantes subiram 8%, encarecendo o custo de produção. Se o agro voltar a depender só de commodities, perderá a chance de crescer em valor agregado.
Pressão Inflacionária: Num primeiro momento de ajuste de oferta/demanda, exportar muito mais para os EUA e China pode reduzir a oferta interna, elevando preços domésticos. Com a inflação em 1,3% em fevereiro de 2025, isso é um alerta ao Banco Central. A retaliação chinesa, ao pressionar o dólar e os juros nos EUA, dá grande volatilidade ao real, aumentando a imprevisibilidade de insumos como fertilizantes e agravando esse risco.
O que fazer agora?
Olhando o copo meio cheio, o “Dia da Libertação” de Trump e a retaliação chinesa podem ser o empurrão que o agro brasileiro precisa para se reinventar. Com tarifas favoráveis, o setor pode preencher parte dos mercados nos EUA e explorar novos parceiros comerciais, enquanto a equalização tributária e o foco na agroindústria abrem caminho para uma expansão nacional e internacional.
Mas o Brasil precisa agir rápido: negociar com os EUA para travar os 10%, investir em logística e inovação científica focada na competitividade, e precaver o mercado interno de uma enxurrada de importados.
As críticas às políticas protecionistas de Trump oferecem ao Brasil uma chance de debater internamente estratégias para proteger sua indústria do aumento esperado na oferta de importados baratos. Nesse cenário, o agro se destaca como modelo de sucesso a ser replicado por outros setores, mostrando como competitividade e inovação podem coexistir com a abertura comercial.
Enquanto o mundo se debate em tarifas e retaliações, o Brasil deveria priorizar a equalização das regras do comércio e o fortalecimento da indústria nacional. O reordenamento global pode posicionar o país como líder em áreas onde já brilha, como produção de alimentos, agroenergia, fibras e tecnologia para ambientes tropicais, além de abrir espaço para ganhar competitividade em setores industriais deixados vulneráveis pela guerra comercial. Para isso, é essencial agir com agilidade, ocupando o vácuo deixado pelos EUA, maximizando a produtividade e defendendo o livre mercado.
A política de Trump, como sugere a análise do déficit bilateral, é um jogo de pressão para reduzir o desequilíbrio comercial americano – e o Brasil, com seu piso de 10%, está bem posicionado para negociar com todos. Se o agro e a indústria, campo e cidade, jogarem com inteligência, esse “tarifaço” pode marcar não só a “libertação” dos EUA, mas também a ascensão do Brasil como potência agroindustrial global. Deixar de ser visto como celeiro para ser reconhecido como supermercado global. O tabuleiro está aberto – é hora de mover as peças com precisão.
Gustavo Spadotti é chefe-geral da Embrapa Territorial, Patrícia Arantes de Paiva Medeiros é diretora executiva da Sociedade Rural Brasileira e Mauricio Palma Nogueira é sócio diretor na Athenagro
As ideias e opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam, necessariamente, o posicionamento editorial da Globo Rural
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