Apesar de safra grande, escalada da Selic vai retardar recuperação no campo A escalada da Selic vai estender a “ressaca financeira” no campo e retardar o processo de recuperação e capitalização dos produtores, apesar dos sinais positivos para a safra 2024/25. O comportamento do clima, a volatilidade do câmbio e as canetadas do presidente norte-americano, Donald Trump, também são variáveis que podem nublar expectativas mais otimistas para o agronegócio neste ano.
Leia também
Elevação dos juros vai afetar crédito rural oficial em 2025
Alta da Selic aumenta a incerteza para o agro e pressiona próximo Plano Safra
O crédito rural está caro e deve continuar assim por algum tempo enquanto os níveis de endividamento e inadimplência não recuarem no setor produtivo, de acordo com executivos de bancos e analistas ouvidos pela reportagem.
O economista Francisco Faria, analista de commodities, diz que a colheita recorde de grãos e os preços futuros, em números frios, não significam, necessariamente, uma boa condição financeira no campo. Ele vislumbra melhorias no caixa dos produtores, mas sem o quadro de liquidez que havia antes, por influência da alta dos juros.
“É um ano que pode ser positivo em termos de produção e de alguma margem, mas o setor vai encarar situação desconfortável no crédito”, aponta. Regiões com possíveis quebras em função do clima, como o Rio Grande do Sul, já “machucado” por outras safras ruins, podem sofrer mais, diz. O cenário não é de tranquilidade, mas também não é generalizado, pondera Faria. Há exceções, caso do café e do boi, que devem aproveitar melhores preços.
Outro fator é que a soja, carro-chefe do agronegócio nacional, perdeu peso na formação do PIB com dois anos consecutivos de colheita menor e preços mais baixos, enquanto a pecuária ampliou sua participação. Em 2025, a balança está invertida, com boas perspectivas, por ora, para a colheita da oleaginosa e retração na produção de carne bovina. Essa inversão pode, em alguma proporção, mexer na composição do resultado econômico do setor.
Saiba-mais taboola
A aposta do mercado financeiro é que a reversão do cenário de alavancagem no agronegócio, ou seja, a capacidade dos agricultores de digerirem investimentos pesados feitos em um passado recente de bonança para financiar a expansão da produção, demandará mais anos de boas colheitas, queda dos juros da economia e retorno das margens de lucro no campo.
“Os produtores terão bom retorno, mas o mais alavancado terá mais dificuldade. A taxa de juros é muito punitiva e absorve parte desse retorno adicional”, afirma Roberto França, diretor de Agronegócios do Bradesco. “Para sair de onde estamos, precisamos de tempo. Serão necessárias duas ou três safras como a deste ano”, observa Carlos Aguiar, diretor de Agronegócios do Santander.
O passivo, formado na “euforia” de 2022 e agravado pela queda nos preços das commodities e as perdas com a seca no país em 2023 e 2024, gerou aumento da prorrogação de operações bancárias e uma enxurrada de recuperações judiciais no campo. O endividamento rural no sistema financeiro em outubro de 2024 foi de R$ 744,1 bilhões, cerca de 13,2% do total das operações, segundo o boletim mais recente do Banco Central.
No Banco do Brasil, líder nos financiamentos para o setor, as prorrogações de operações de crédito rural cresceram quase 80% de dezembro de 2023 até setembro de 2024, para R$ 38,1 bilhões, segundo balanço mais recente. Esses números dão o tom do mercado. Produtores gaúchos, afetados por consecutivas safras com seca e pela enchente de 2024, querem securitização de dívidas de até R$ 60 bilhões. E, neste ano, as incertezas no campo voltaram em algumas regiões gaúchas, em decorrência da seca e calor que afetam lavouras de soja.
Análises compartilhadas por economistas mostram que as taxas de inadimplência do mercado em geral, não só do agro, acompanham a previsão de juros. Ou seja, quanto maior é o preço do crédito, mais clientes ficam inadimplentes. No crédito rural, os juros livres estavam, em média, em 14,3% em novembro de 2024 no sistema financeiro contra 12,8% no mesmo mês de 2023, mostra o boletim do BC. Somados aos spreads médios dos bancos, algumas linhas já chegam na ponta perto de 19% e 20% ao ano.
O cenário pode piorar com novas altas já contratadas para a Selic. O Itaú BBA projeta o índice em máxima de 15,75% neste ano. As crises nas revendas de insumos, que financiam boa parte da safra, também aumentam riscos e encarecem os financiamentos. Também deve impacto no mercado de capitais, mais exposto nas concessões. A precificação será vista nos juros livres, que são quase dois terços do Plano Safra, e nos títulos.
Os juros altos pressionam os custos dos produtores. Sem recursos próprios por conta de safras frustradas, eles tiveram que recorrer a um capital mais caro. Em Mato Grosso, por exemplo, o caixa pessoal do produtor perdeu espaço no funding da safra 2024/25, de 31,58% para 18,85%, e houve aumento na dependência do sistema financeiro (de 16,72% para 30,50%) e do crédito oficial (4,12% para 8,69%), segundo o Instituto Mato-Grossense de Economia Agropecuária (Imea).
“O choque de juros foi grande em apenas um ano para uma atividade que tem demanda intensiva de capital”, diz Gustavo Freitas, diretor-executivo de Negócios do Sicredi. Mesmo assim, a supersafra de grãos que se avizinha, de 322,3 milhões de toneladas, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), é um sinal de que os financiamentos, mesmo mais caros, continuam a fluir.
A sensação, por ora, é que serão preservadas as perspectivas de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) da agropecuária, entre 3% e 5,5% , e do Valor Bruto da Produção (VBP), para R$ 1,4 trilhão em 2025. O alerta, porém, já foi ligado para os plantios de inverno e para a temporada 2025/26, quando os juros estarão em patamares ainda mais elevados e o custo dos financiamentos será maior.
Outra preocupação é que eventuais medidas do governo Trump podem tornar o câmbio mais volátil, o que pode elevar os custos de produção no campo.
“Há um freio [com juros altos], que afeta a compra de máquinas e equipamentos e o ritmo de investimentos”, diz Pedro Fernandes, diretor de Agronegócios do Itaú BBA.
Segundo Fernandes, o ciclo 2025/26 pode ser “mortal” para quem não tinha uma base de capital e terra próprios, com possibilidade de devolução de áreas arrendadas e saída de pessoas da atividade. “A agricultura não quebra, muda de dono. Quebra quem dá passo maior que a perna e não cuida do fluxo de caixa. Produtores capitalizados e com bom fluxo de caixa terão estratégia de crescimento”, diz Ivan Wedekin, ex-secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura e consultor na área.
Source link