Fazenda Camocim
Enquanto nos conta a história da Fazenda Camocim, em Domingos Martins (ES), os olhos do produtor Henrique Sloper Araújo brilham, com lágrimas emocionadas. Falar sobre a evolução do trabalho da propriedade é contar também a história vanguardista de seu avô Olivar Fontenelle de Araújo.
Um legado que hoje dá frutos, com produção de cafés especiais em sistema agroflorestal, orgânico e biodinâmico, mas que ainda vislumbra um longo caminho pela frente.
Instalada no bioma Mata Atlântica, a propriedade fica em uma altitude na faixa entre 1.000 e 1.300 metros acima do nível do mar. Olivar, o avô, superintendente do Grupo Casa Sloper e um dos fundadores da Aracruz Celulose, comprou a fazenda em 1962. Foi também nesse momento que começou a transformação sustentável da área. Ao longo dos 30 anos seguintes, ele dedicou-se a plantar árvores, recuperar o solo e proteger nascentes.
Leia também
O que é uma fazenda sustentável?
Quais as vantagens de ter uma fazenda sustentável?
Café Jacu, que custa R$ 1,6 mil o quilo, atrai consumidor brasileiro
Quando a Globo Rural perguntou a pessoas nas ruas de Pedra Azul, distrito em que a Camocim se localiza, sobre Olivar e o neto, com frequência houve menção ao “colecionador de árvores”. Além das nativas, o avô plantou exóticas, como eucalipto, pinus, araucária e liquidâmbar – esta, escolhida para ser o símbolo da Camocim.
O cultivo do café chegou em 1996, inaugurando o cultivo orgânico na região. Passados 29 anos, a administração da fazenda – e do legado – está hoje nas mãos de Henrique, produtor e trader.
A propriedade tem área de 300 hectares, e o café arábica ocupa 70 deles, o que significa que a área de preservação é três vezes maior do que a de cultivo. São sete variedades principais, quatro amarelas e três vermelhas, e mais cinco em fases de testes.
Fazenda Camocim
Globo Rural
Segundo o produtor, com a seleção de variedades, buscou-se alongar o período de colheita, o que ajuda nas vendas e torna viável contratar funcionários fixos, que vão trabalhar o ano todo, em vez de temporários. “Com isso, temos geração de caixa estável e fluxo de trabalho contínuo”, afirma.
Todos os processos da fazenda giram em torno dos princípios de comércio justo, explica Henrique. As práticas renderam à propriedade a certificação mundialmente reconhecida Fair Trade Certified, concedida pela instituição americana Fair Tarde USA.
“Isso significa que valorizamos todas as escolhas que envolvem nosso negócio. Na busca por um comércio mais equitativo, olhamos para condições de trabalho e salários e para a diversidade na contratação de funcionários, além de cuidar para que nossos fornecedores sejam também responsáveis”, diz.
Atualmente, a Camocim produz 270 toneladas de café por ano. Desse volume, cerca de 80% vão para as exportações – o grão da fazenda já teve 27 destinos internacionais diferentes. Além do trabalho orgânico inicial, hoje o cultivo do café segue também princípios biodinâmicos e as práticas da agrofloresta.
Diversidade
Para se conhecer o cafezal da propriedade, percorre-se um caminho formado por árvores frutíferas como abacate, ameixa, tangerina, jabuticaba e amora, além de palmito e ervas como camomila, valeriana e erva-doce.
O biodinamismo tem alguns princípios curiosos, entre eles a adoção de preparados fitoterápicos para assegurar a saúde das plantas e o uso desses compostos em sintonia com ciclos da astronomia.
Rogério Lemke, guia de visitas da Camocim, conta que o tratamento dos cafezais ocorre com preparados feitos 100% na fazenda. As aplicações visam tanto combater eventuais pragas quanto fortalecer os pés de café e, assim, evitar doenças.
E não há como falar do trabalho da Camocim sem citar a presença e a importância do pássaro jacu para a propriedade. Henrique conta que, à medida que as áreas florestais e de cultivo foram ganhando corpo na fazenda, a presença do jacu aumentou.
“Eles perceberam que aqui ninguém os incomodaria, e foram chegando. No início, a quantidade nos assustou. São eles que nos dão o primeiro sinal de início da colheita. E já partem para os pés de café. Como são grandes e um tanto desastrados, quebram os brotos do topo”, relata.
O jacu é um pássaro um tanto desajeitado, segundo o produtor Henrique Araújo, mas virou um trunfo nos negócios: das fezes da ave sai o grão de café mais caro do país
Alex Gouvêa
Mas, de um tempo para cá, Henrique transformou os desastrados jacus em parceiros importantes. Além de as aves serem potenciais plantadoras de árvores frutíferas, já que espalham sementes das frutas que comem, elas inspiraram a ideia de criação do “Jacu Bird”, ou “Café Jacu”, produzido a partir dos grãos coletados nas fezes do animal.
“Passeando pela Camocim e vendo as fezes dos jacus, que mais parecem pés de moleque, com grãos de café inteiros evidentes, lembrei de um café que tomei na Indonésia, oKopiLuwak, produzido com grãos encontrados nas fezes do luwak, um pequeno mamífero. E pensei: por que não tentar aqui, com animal nativo?”, conta.
Fazenda Camocim – Domingos Martins (ES)
Da ideia à xicara foram anos de testes, e atualmente o “Jacu Bird” é o café mais caro do Brasil – o quilo custa cerca de R$ 1.600. Neste ano, as vendas têm crescido entre 15% e 20% em relação a 2024. Japão, Inglaterra, França e Brasil, nessa ordem, são os maiores compradores do café.
O alto preço deve-se ao trabalho inteiramente manual e demorado para produção, que inclui recolhimento do grão em toda a fazenda (e as aves vivem soltas, é bom lembrar), limpeza e processamento. Depois, os grãos ficam congelados antes da venda por, no mínimo, 30 dias. O “Jacu Bird” acaba de finalizar sua certificação no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (no INPI), com registro da marca e do processo produtivo.
Fonte: