Especialistas cobram estímulos à produção interna como forma de ampliar oferta para achatar as cotações a longo prazo As medidas anunciadas nesta semana pelo governo federal para conter a inflação dos alimentos não serão suficientes para reduzir preços no país, segundo especialistas em política agrícola e ex-integrantes do Executivos ouvidos pela reportagem. Eles afirmam que algumas iniciativas estão velhas demais para dar certo e cobraram estímulos à produção interna como forma de ampliar oferta para achatar as cotações a longo prazo.
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Coordenador do Centro de Estudos do Agronegócio da Fundação Getúlio Vargas (FGV Agro), Guilherme Bastos diz que “não faz sentido” o Brasil gastar dinheiro público para fazer estoques reguladores de alimentos, uma das medidas anunciadas na última quinta-feira (6/3). “É muito melhor investir do que manter estoque regulador”, aponta. Ele foi secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura e presidente da Companhia Nacional de Abastecimento no governo passado.
Benedito Rosa, que ocupou ambos os cargos entre os anos de 1990 e 2000, diz que a formação de estoques de alimentos na safra para vender na entressafra como tentativa de baixar preços no mercado é uma política antiga e onerosa.
“Era uma política do final dos anos 1960, e isso foi abandonado quase há meio século, devido ao custo alto para comprar, armazenar, distribuir transportar, devolver para o mercado. Sai tudo mais caro”, afirma. Ele também indica riscos de corrupção já identificados em outras ocasiões. “Espero que nenhum governo venha a praticar isso”, completa.
Para Rosa, o caminho mais adequado para tentar combater a inflação é aumentar a produção, diminuir impostos e melhorar a logística de escoamento das safras. Os ex-secretários ressaltam que não há problema de oferta de produtos no Brasil.
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Na opinião de Guilherme Bastos, a Conab deveria atuar, neste momento, na avaliação da paridade de importação e verificar se a redução de tarifas vai ajudar em alguma coisa ou não. Ele é cético quanto aos efeitos que a desoneração para compra externa de carnes, café, açúcar, milho, azeite, sardinha, biscoito e macarrão terão aos consumidores.
“Mexer na tarifa de importação é uma forma menos agressiva de tratar a questão em um momento como esse, embora não seja suficiente”, afirmou. “A Conab deve olhar para a cadeia produtiva e procurar entender onde está o gargalo e como poderia ajudar a destravar para a expansão na oferta de determinado produto”, acrescentou.
Benedito Rosa é enfático ao dizer que a retirada de tarifas de alguns produtos não vai solucionar “nada”. Um dos casos avaliados é o do milho, cuja alíquota de 8% deverá ser zerada.
“Vamos importar milho de onde de fora do Mercosul? Não vai chegar barato aqui, nossa produção é competitiva, as indústrias não vão deixar de comprar aqui para importar”, opina.
Rosa diz que o abastecimento de milho no Brasil é complementado há anos com cereal da Argentina e Paraguai, de onde a importação já é isenta de impostos, principalmente para abastecer a região Sul do país por conta dos custos de escoamento da colheita do Centro-Oeste.
“Zerar a alíquota de importação de milho não vai resolver nada em termos de aumento da oferta e queda de preço. O Brasil produz cerca de 120 milhões de toneladas de milho, consome 84 milhões de toneladas e exporta outras 35 milhões de toneladas. É milho para jogar para cima. Se o mercado interno não está absorvendo é porque não quer pagar o preço globalizado, que vigora no mundo inteiro”, afirma.
Responsabilidade fiscal
Guilherme Bastos diz que o combate à inflação dos alimentos é um “dever de casa que cai no colo do governo” e que exige arrocho fiscal.
“Enquanto estiver com a torneira aberta em relação a gastos, temos mais poder de fogo para ter a base consumidora aumentando artificialmente, não por geração de emprego ou equilibrio de mercado, e isso gera desencontro entre oferta e demanda. Com problemas climáticos, eles ficam mais evidentes e isso se reflete no preço”, indica.
Os dois ex-secretários e ex-presidentes da Conab refutam iniciativas açodadas para solucionar a questão.
“Estamos falando de agricultura, são ciclos biológicos que não têm como ser apressados, é tudo uma questão de tempo. Infelizmente, qualquer medida açodada para combater inflação vai ter depois resultado lá na frente muito deletério em termos de desincentivo ao mercado se ajustar”, afirma Bastos.
Ele é favorável ao estímulo do consumo dos produtos “da temporada”, aquilo que está sendo colhido na safra, para equilibrar os preços, principalmente os hortifrutigranjeiros, que são mais sazonais.
Benedito Rosa diz que qualquer intenção de taxar exportações — já descartada pelo vice-presidente Geraldo Alckmin — teria efeito muito mais para aumentar a arrecadação do Estado do que para garantir oferta. Ele enfatiza que os exemplos de medidas semelhantes adotadas ao redor do mundo, como na Argentina, com as “renteciones”, são devastadores para o setor produtivo local.
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